TUDO JUNTO E MISTURADO.


Vivemos no mês de setembro aqui em Filadélfia o desfile cívico comemorativo à festa de setembro, também chamada de Festa do Feijão, e, sobretudo, à Independência do Brasil, tendo como tema: Filadélfia Minha Terra, Nossa História. Esse "resgate cultural", como foi justificado o evento pelo executivo municipal, teve, de fato, seu relativo brilho e importância o que o torna digno de aplauso e de parabenizações. É preciso, entretanto, que além do olhar artístico, ou seja, da apreciação da criatividade e das cores apresentadas, tenhamos um olhar crítico sobre essa manifestação para que possamos avaliar de forma imparcial e cidadã a real valia de uma ação coletiva apoiada pelo poder público que custou além do esforço humano, dinheiro e redução de serviços essenciais, como por exemplo, a redução da carga horária das aulas nas escolas envolvidas na confecção do desfile.

É, porém, pertinente o argumento de que educação não se faz apenas na sala de aula, principalmente, porque sabemos que a aprendizagem da criança começa muito antes daquela que é oferecida pela escola e, portanto, toda aprendizagem escolar infantil já é precedida por uma pré história de vida da criança.

Assim, quando um evento extra-classe consegue envolver estudantes, educadores e o povo ,além de autoridades diversas, tendo, ainda, o suporte, ou o "auxílio luxuoso", da expressão artística e transformando, enfim, a ocasião em um mega show cultural, é incontestável o êxito pedagógico e educacional da parceria entre poder público, escola e comunidade.

Acrescentamos a isso o que nos fala o doutor em Política José Murilo de Carvalho ao afirmar que cidade e pátria são coletividades de integração e de convivência afetiva. Nesse sentido, o Positivismo, que inspira o lema de "Ordem e Progresso" da nossa bandeira, prega que o amor da pátria é o prolongamento do amor materno, tanto que Augusto Comte, principal positivista, falava em Mátria no lugar de Pátria. Ainda, consoante a essa corrente filosófica, a cidade é o prolongamento da família, daí que patriotismo e civismo eram exatamente a mesma coisa. Desse modo, o desfile cívico ocorrido em Filadélfia representou uma Cidade-Pátria na qual se materializava o cidadão completo.

Tudo até aqui é absolutamente inquestionável. Cabe-nos, no entanto, uma breve análise do discurso presente nas manifestações em face da realidade vivida por todos os brasileiros e de modo específico por nós filadelfenses. Nossa doentia época faz com que alunos, professores e cidadãos em geral vejam luxo e frivolidades em vitrines que anunciam as marcas da corrupção que atingem a todos. Todavia, as nossas escolas escondem-se em ruas excêntricas ou em becos; sem esgoto, sem iluminação ou mal ventiladas como se fossem o atestado da presença dos pobres em uma sociedade de "novos ricos" que se envergonham de sua origem, incluindo aí muitos professores.

Aliás todos os setores de trabalho público apresentam essa mesma precariedade que são reflexo do sucateamento do qual padecemos todos os dias em todos os lugares desse insano Brasil que prega a pedagogia da inclusão, mas, sua escola só conhece os deveres, as lições e a sujeição da liberdade, sobretudo de pensamento, não podendo, portanto, ir além da espetacularização; ou seja, do pão e circo que funcionam para que o povo se esqueça da realidade desumana do trabalho.

Partindo do pressuposto de que a coletividade é um bem superior, na pátria, não há direitos. Há apenas deveres de todos os seus membros em prol da coletividade. Os políticos, porém, ficam isentos desses deveres e na prática política do cotidiano a própria cidade também não se reconhece. O cidadão não é cidadão. Nossos ditos representantes políticos, após eleitos pelo voto do povo, são os únicos que podem dizer: “Ora a lei”...! O que é a lei? Dessa maneira, o formal, não é sério. Não há caminho para a participação cidadã e democrática, pois a independência ou a emancipação foram representações em que o povo comum apareceu como mero espectador ou, no máximo, como figurante. Sua relação com os governos é de indiferença aos mecanismos oficiais de participação, seja pela omissão, seja pelo velho assistencialismo do favor-e-cimento.

Assim posto, fica aos educadores, alunos, pais, cidadãos em geral e, principalmente aos responsáveis pela educação pública, a seguinte indagação: Se a história e o seu "resgate" são importantes, é igualmente indispensável  lembrarmos que cada geração produz sua própria história, retirando do manancial que constitui a atual sociedade  os pontos básicos de suas perspectivas diante de um presente ainda muito arcaico que só pode ser transformado com ações  livres e críticas.

Somente assim, iremos representar, de fato, "O Dia da Pátria" resgatando a indigna condição do nosso desrespeitoso cotidiano, no qual os "medalhões", pessoas que não obedecem e nem cumprem leis, só se igualam e se tornam pessoas do povo, sem história e sem biografia, durante o ritual do desfile. No dizer de Raul Pompéia na ocasião do rendez-vouz dos Príncipes com a arraia miúda...Pois no dia seguinte, eles dizem ao mesmo povo marchante: Você sabe com quem está falando!?

Por VALTER SILVA

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