Tanto no sistema comercialista do ensino particular quanto na rede pública de ensino, apossada, cada vez mais, pela ditadura do privado, o professor tornou-se constante vítima de assédio moral e de pressões institucionais a fim de satisfazer, incondicionalmente, os caprichos dos alunos; seja pela detestável lógica do "pagou...passou", que impera entre os chamados bem nascidos; seja pela noção dos alunos pobres que a reprovação não ocorrerá ou mesmo não tem qualquer importância para suas vidas.
Ao tirar poderes e recursos da administração das instituições educacionais, ou seja, ao restringir a autonomia da escola, os ministros ou secretários da educação incentivam o surgimento de uma sociedade acrítica, fazendo, assim, dos estudantes um mero rebanho de consumidores felizes, integrados aos ditames do sistema capitalista e reduzidos intelectualmente a um infantilismo vaidoso que tudo pode; ou que tudo quer.
Da mesma forma, o ensino universitário privado da pós modernidade, adepto da coerência comercialista, tende a impedir o amadurecimento existencial do estudante ao não exigi-lo academicamente com rigor; convertendo a cultura em uma mercadoria difundida como informação, mas sem penetrar na mente das pessoas dela informadas que, em grande parte, rejeitam as relações conceituais, vistas como esforço inútil, enfado ou incômodo.
O pensamento, desse modo, perde sua força e limita-se à apreensão do fato em si sem buscar sua interpretação, uma vez que ao aluno interessa apenas tornar-se um profissional competente, bem situado no mercado de trabalho, e não um ser pensante, capaz de uma reflexão lúcida e autônoma sobre sua própria atividade profissional.
Nessa mudança de paradigma da estrutura educacional brasileira, cada vez mais permissiva, onde o dinheiro é a medida de todas as coisas e o lucro seu objetivo primordial, há uma excessiva flexibilidade nas avaliações do ensino básico que favorece o desenvolvimento consentido de analfabetos funcionais; incapazes de compreender textos mais intelectualizados e, também, de expressarem suas ideias de modo claro em produções escritas.
Está, gradativamente, em desuso o antigo princípio que associa a aquisição do saber à formação do espírito e mesmo da pessoa. O saber, hoje, é, e será, produzido para ser vendido, consumido e valorizado em uma nova produção, onde seu fim deixa de ser para si mesmo, perdendo, consequentemente, seu valor de uso.
Nesse nefasto contexto, o professor é considerado culpado quando há reprovação ou quando os alunos não compreendem o conteúdo da disciplina, passando, de imediato, à condição de inimigo das mentalidades fechadas que, habitualmente, descarregam suas insatisfações existenciais nos professores, seja por meio da injúria, ou até de agressões físicas, sem que medidas eficazes sejam tomadas para o estabelecimento do respeito à classe docente.
Em um cenário de absoluta degradação do tecido social, explícita na realidade estudantil contemporânea, desprovida de valores morais ou de senso de cidadania; o professor, depois de competir pela atenção dos alunos focados em seus celulares e em outras ferramentas tecnológicas e se transformar em "animador de auditório", que distribui pontos para a satisfação dessa clientela, vê-se, agora, na iminência de ser substituído pela própria máquina que em seu contínuo aperfeiçoamento está mais que apta a realizar trabalhos mentais inerentes aos educadores.
É claro que não se pode deixar de reconhecer que a escola, principalmente a de segundo grau, encontra-se muito chata no presente momento e, por isso, a desmotivação dos jovens tem contribuído para uma alarmante evasão que, por seu turno, só poderá diminuir com a adesão de novos métodos e ferramentas, especialmente as tecnológicas.
Contudo, nas escolas públicas, os alunos são treinados para realizar tarefas que podem ser feitas por máquinas; ficando, igualmente aos professores, cada vez mais dependentes, sobretudo, da internet. As emissões midiáticas são ,na realidade, convergentes com a manutenção da ordem medíocre de um sistema de ensino que não visa a promover a criatividade, o pensamento crítico e tampouco a singularidade.
Com a precarização do trabalho humano que se transforma a cada dia em um dos artigos mais baratos no planeta e com a dissolução da ideia de carreira profissional, os docentes devem enfrentar, em um futuro bem próximo, uma crise de identidade em que não mais poderão ser definidos, social ou psicologicamente, pelo ofício que exercem; isso porque, a automação, paradoxalmente, já não investe em humanizar os robôs, mas, em robotizar os humanos.
O professor, desse modo, torna-se uma espécie de robô, apenas realizando tarefas que lhes são atribuídas; e seu trabalho humano, cada vez mais intermitente, embora considerado, por sua tendência a desaparecer, como privilégio, além de já não mais determinar o papel do docente na sociedade, garante apenas precariamente sua sobrevivência material, carente nos dia de hoje, de uma conscientização política de classe e da participação em uma rede colaborativa que possa, ao menos, atenuar seus crescentes e cruciais problemas no âmbito profissional.
Os professores, acima de qualquer discurso político, precisam, em última análise, entender, urgentemente, a necessidade de uma profunda discussão a respeito do tipo de tecnologia que utilizam em seu trabalho cotidiano, ao invés de somente elogiar ou engolir "goela abaixo" as tic's que lhes são impostas por agentes da escola; tornando-se, cúmplices de uma estrutura educacional excludente que fornece "conhecimento" e o pessoal necessário para a manutenção de um sistema ideológico legitimador de grandes corporações empresariais, paulatinamente associadas à esfera pública, a serviço de uma educação massificada e alienante.
*Por Valter Silva, Professor e Poeta.*
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