Apesar do tétrico quadro da pandemia da Covid 19, que tem ceifado diariamente a vida de milhares de pessoas parentes ou próximas, os desejos egoístas e a preocupação cada vez menor com o bem-estar do outro continuam sendo a marca registrada do nosso atual momento histórico.
Essas atitudes, hoje em dia consideradas banais, refletem, na realidade, uma época marcada pelo individualismo e trazem graves consequências para a sociedade contemporânea, onde já assistimos, mesmo durante o período de quarentena, a um alto grau de violência e de desestruturação nas relações; sejam familiares, sejam amorosas.
A humanidade, de modo geral, encontra-se cada vez mais embrutecida diante dos dramas alheios; isto porque, cada um aprendeu a cultivar seu próprio mundo; ou seu próprio eu.
Nesse sentido, a grande maioria das pessoas que reclamam do isolamento social, causado pela pandemia que as afasta fisicamente do convívio das demais, paradoxalmente, rejeitam as relações afetivas face a face, pois quando o outro aparece com seus traços reais, suas faltas, seus desejos e, enfim, com a sua propensão a falhas, não age em conformidade com aquilo que tais pessoas projetam como ideal, fazendo, então, desaparecer o afeto do contato presencial que imediatamente se converte em decepção.
O excessivo culto a si mesmo de nossa época faz, portanto, com que os seres humanos, destinados a viver em sociedade, naufraguem em um desmedido e imoderado individualismo, abalando as bases das relações sociais; esquecidos que para construir suas personalidades precisam de algum contato com seus semelhantes, uma vez que o modo de pensar, de agir e até de sentir são adotados a partir do convívio e do relacionamento com o próximo.
Iludidos, porém, por uma noção de felicidade, gerada em uma sociedade consumista, os seres humanos, ditos pós-modernos, habitualmente, definem sua maneira de viver pela forma como consomem; reconstruindo, assim, as relações humanas a partir do padrão e semelhança com outros consumidores ou objetos de consumo.
Essa conduta, por essência mercadológica, passa, consequentemente, a fazer parte de seus relacionamentos não apenas com as coisas, mas, também, com as próprias pessoas que, a partir de então, são tratadas como simples mercadoria, porque, paulatinamente, o ser humano está sendo transformado em objeto.
A busca por prazeres individuais é igualmente articulada por mercadorias oferecidas a cada instante pelas sucessivas campanhas de publicidade, sempre necessárias e bem vindas, sobretudo, porque substituem a ausência de solidariedade dos amigos ou colegas de trabalho e até mesmo o calor humano de cuidar e de ser cuidado pelos mais próximos e queridos, tanto no lar quanto na vizinhança.
Na era tecnológica, apesar de todas as conquistas advindas do aprimoramento dos processos de comunicação e suas trocas informativas, a capacidade de ouvir o outro foi definitivamente perdida por uma sociedade capitalista e individualizada que cada vez mais submete o sujeito a uma vida focada em si mesma; tornando-se desinteressado em um diálogo com qualquer inteligência externa e incapaz de reconhecer a validade ou, ao menos, a pertinência de seu discurso.
O uso alienado dessas tecnologias comunicacionais ao invés de aproximar as pessoas, mobilizando-as para a luta por causas comuns, gera, na verdade, um completo distanciamento entre as mesmas a partir do momento em que o interlocutor, desprovido de qualquer característica pessoal, é considerado como mera coisa, evidenciando, assim, a exata proporção em que a insensibilidade vem se aprofundando no rol das relações humanas e revelando, enfim, o quanto o lado emocional é a todo instante deixado para trás.
É preciso, todavia, deixarmos claro que o problema crucial dessa incomunicação humana não se encontra nos aplicativos ou nas redes sociais em si; porém, na falta de normas éticas que possam orientar as ações humanas, que se em vez da preferência doentia pelas redes ditadoras da moda e dos padrões de beleza vigentes, estivessem voltadas para a excelência da comunicação a partir da abertura para o outro, reconhecendo sua dignidade, poderiam, sem dúvida, promover uma significativa mudança política em escala global, tendo o amor pela liberdade e pela justiça como motivos primordiais do engajamento comunicativo nessa, hoje insensível, era de informações virtuais.
Filadélfia Bahia, fevereiro de 2021.
VALTER SILVA é professor e poeta.
Postar um comentário