O APOGEU DAS ILUSÕES



Ainda que a civilização humana tenha alcançado um alto nível de valor no que diz respeito à tecnologia de ponta, às conquistas de conhecimento e aos grandes desafios da inteligência, a presente sociedade vem lutando, principalmente nas duas últimas décadas, a fim de superar suas preocupações a respeito da solidão, dos sofrimentos em geral e, sobretudo, da doença do existir.

Diminuídas as distâncias físicas em virtude do fantástico recurso das comunicações virtuais e das viagens aéreas, hoje, mais acessíveis a todos, a terra se converteu na tão sonhada aldeia global, facilitando, desse modo, os relacionamentos e o intercâmbio de comportamentos entre diferentes povos, cidades e países.

Esse "boom" da informação, que poderia ser considerado como um inegável avanço dos meios de comunicação e da diminuição nas fronteiras no mundo, acabou, na verdade, distanciando as pessoas do contato verdadeiro; dando a nítida impressão de que o homem orgânico vai sendo, cada vez mais, substituído por uma forma de  existir essencialmente mecanizada. 

São corriqueiros os casos que exemplificam a insensibilidade em que se aprofunda o rol das relações humanas, distanciando paulatinamente as pessoas reais e onde, enfim, o lado emocional é relegado a um segundo plano.

Os adultos, neste contexto, parecem não ter mais consciência dos seus atos. Sem quase nenhuma capacidade intuitiva, todos, de um modo geral, comunicam-se pessimamente. As pessoas nem ao menos conseguem sorrir. O conflito é comum e expresso na pobreza e na doença; sendo normal vivermos de cara amarrada. Paradoxalmente, muitos que vivem conectados às redes sociais estão praticamente isolados do mundo. O amor, a capacidade de se colocar no lugar do outro, o desprendimento, e a tolerância consigo e com o próximo são sentimentos não mais estimulados no presente.

As .escolas e as universidades estão ainda muito longe de suprir as demandas de um público novo com ideias diferentes daquelas que preponderavam nas últimas décadas embasadas em um paradigma do certo ou errado, onde se acumulavam informações, às vezes inúteis, como decorar ou repetir assuntos diversos, mas que não despertavam as habilidades mentais, emocionais e comportamentais nas crianças e nos jovens.

Hoje, em plena época do ápice da interconectividade, presenciamos crianças, jovens e adultos e até mesmo idosos capazes de tudo descobrir, definir ou resolver através de seus smartphones e de outros apetrechos.

Um menino de dez anos, por exemplo, detém mais informações do que um homem maduro e culto, principalmente nas dúvidas sobre a informática. Esse jovem, contudo, jamais será sábio através da inflação de conhecimento jogados em sua mente, pois, o excesso de conhecimento não o levará a lugar nenhum a não ser ao esgotamento cerebral, uma vez que o primor do conhecer está justamente na seleção das ideias coletadas.

A humanidade enfrenta um  dilema. De um lado o progresso digital, científico e tecnológico,  do qual são deglutidas informações vindas de todos os lados sem que se faça a mínima reflexão e também notícias inúteis que além de não trazer nada de bom, ainda saturam as já apavoradas ou excitadas mentes de seus usuários.

De outro lado, as drogas, a exclusão social, a violência, o ódio e, especificamente, a cobrança por resultados imediatos trazem a tristeza, o estresse, o esgotamento e o desânimo como marcas registradas de um tempo regido pelo exclusivismo das ideias, onde, em suma, pouquíssimos são verdadeiramente ouvidos; e quem não aparenta ou não ostenta não presta.

A luta pelo usufruto de comodidades levou os seres humanos  pós modernos  ao tormento egoísta do abuso do poder, da indiferença pelos sofrimentos existentes ao redor e do desrespeito aos deveres que a vida impõe a todos os  seus membros.

Mergulhados em realizações audaciosas que multiplicam o luxo exagerado e até inimaginável, muitos passaram a adotar as extravagâncias" copiadas" dos falsos poderosos em uma ânsia de domínio na política ou na sociedade que, infelizmente, facultam as condutas insanas e desonestas que sempre em expressivo volume empurram as massas desventuradas para a forma de miséria mais absoluta; ou seja, a miséria moral, onde a sociedade atrela seu destino a uma organização baseada na acumulação ilimitada.

Esse tem sido o cínico cenário das zombarias e das aparentes glórias da cultura e da civilização contemporânea, no qual os índices de morte pela fome, pelo abandono de crianças e de idosos e por tantas outras doenças foram sempre ignorados, mas que, agora, no auge da pandemia, aterrorizam simultaneamente toda a humanidade. 

Diante, enfim, das excessivas exigências de liberdade no convívio social, cada vez mais libertino, talvez, a pandemia tenha vindo com o intuito  de responder para onde segue a sociedade nessa  volúpia massificadora e desordenada em sua incessante   busca pela felicidade como realidade total da vida, ignorando que o sofrimento anda sempre de mãos dadas com a existência humana.

Tragédias, portanto, sacodem o planeta inteiro, demonstrando toda a fragilidade do ser humano que do  pedestal de suas efêmeras e pueris ilusões assiste,hoje, à destruição causada pelo devastador e fatal vírus da Covid 19, evidenciando , ao mesmo tempo, a urgência  de amor e de solidariedade entre as criaturas para a salvação da espécie humana diante  do iminente caos.


VALTER SILVA é professor e poeta.

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